24 setembro 2008

A construção de um mito


Segundo Nelson Piquet, o automobilismo é o esporte que anda lado a lado com o futebol no coração do brasileiro. Mas nem sempre foi assim. As palavras de Piquet vieram bem antes da paixão do brasileiro se renovar com as boas atuações de Felipe Massa nas pistas de grande globo. Quase dez anos se passaram desde que Nelsão disse estas pequenas letras.

Mas quando começou o amor do brasileiro pela velocidade? Com Ayrton Senna? Na verdade não. Grande parte da população talvez não saiba, mas em 2008 o automobilismo brasileiro completa um século de existência. O percurso realizado foi o de São Paulo, nas imediações do Parque Antártica até o centro da cidade de Itapecerica da Serra. Tudo dentro do estado paulista. Depois os cariocas inventaram o “Trampolim do Diabo”, no Rio de Janeiro. Este foi considerado um dos traçados mais perigosos do início do século anterior.

O traçado na Gávea, porém, foi apenas um trampolim para que os brasileiros fossem para o exterior. O primeiro a realmente aparecer foi Chico Landi. Landi foi o primeiro brasileiro a correr na Fórmula 1 e não foi só isso, também o primeiro tupiniquim a andar de Ferrari na categoria. Só não conseguiu largar com o carro vermelho. Depois dele as portas se abriram e aí o brasileiro parece que começou a flertar com a velocidade. A partir da década de 60 escutava as corridas no rádio e no final da mesma década viu pela primeira vez uma corrida na televisão. Foi apenas um aperitivo para o que viria. Emerson Fittipaldi foi campeão, passou na televisão, mas quem viu a corrida escutou o Barão Wilson Fittipaldi, pai de Emerson, narrar à corrida na Rádio Panamericana. Depois viria Nelson e o ápice da paixão com Ayrton Senna.

Senna era visto como herói, mas será que ele era mesmo? Senna realmente era tudo aquilo que os brasileiros imaginavam? Para muitos especialistas não, e concordo com esta teoria. Se analisarmos o contexto histórico que Senna surgiu para o Brasil, tudo favoreceu o piloto do capacete amarelo. Senna aparece efetivamente com sua primeira vitória no GP de Portugal de 1984, no meio da abertura política aqui no Brasil. Depois ele se torna campeão justo quando os militares deixam o poder e teoricamente o povo tem o poder. Era tudo que o brasileiro precisava, uma figura de que o seu país realmente estava dando certo. Senna surge com suas vitórias espetaculares contra adversários praticamente invencíveis. Nomes como o do francês Alain Prost e do inglês Nigel Mansell assustavam só de escutar. Mas nenhum destes era tão poderoso quanto o nosso Senna. Uma vez Senna chegou a citar que “Vencer é o que importa. O resto é a conseqüência”.

A realidade se misturava com a imaginação toda vez que o príncipe montado em seu carro branco surgia para salvar o Brasil nas pistas. Todos se juntavam na frente da televisão para torcer ou não pelo brasileiro. Às vezes a pura curiosidade fazia com que as pessoas acordassem antes das nove horas da manhã para ver o que ia acontecer com Ayrton Senna naquela corrida. A sabatina acontecia domingo sim, domingo não. Até que em um domingo sim o Brasil parou e viu que aquele era a última batida de Senna. Acabaram-se as vidas do videogame. Lá se foram as sete vidas do gato. O Brasil desmoronou, a televisão e outros veículos ficaram fora do ar e de sua programação normal, Senna era o assunto em pauta, na verdade, a morte de Senna. O herói caiu do cavalo branco. E o pior, já não bastava à morte do mito ainda colocam um cara no lugar dele que nem corre igual e só perde. Aí a vaca foi para o brejo e ficou lá por um bom tempo. E não por culpa de Rubens Barrichello, mas sim da mesma mídia que mitificou Ayrton.

Senna como herói ficou no muro de Imola e sobrou para o jovem de pouco mais de 20 anos de idade carregar a cruz de quem a carregava há muito tempo. O calvário de Barrichello dura até hoje. O paulista é taxado de lento, que só abandona corridas e outras coisas mais. Mas será que depois de 15 anos de sua estréia na Fórmula 1 Rubinho é realmente devagar. Acho que o brasileiro exigiu demais que não tinha currículo para ser exigido. Agora com Felipe Massa os tupiniquins barrigudinhos acordam cedo, já que a esperança de seus pais ficou amassada no muro. A mesma sabatina que muitos homens e mulheres faziam há mais de 14 anos atrás é feita por seus filhos hoje. Será que o Brasil ou a Vênus Platinada podem dar um novo herói grego-tupiniquim? Ou será que teremos apenas mais um novo candidato fracassado a mito da vez? Somente o tempo pode responder a estas perguntas.

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